Recentemente, composições do cantor e compositor Djavan vêm alcançando um público cada vez mais jovem, ganhando espaço nas redes sociais por meio de trends e indicações. Motivada por isso, realizo uma crítica a um dos álbuns mais impressionantes da carreira de Djavan: “Luz”, um espetáculo para os nossos ouvidos.
Esta análise será feita faixa a faixa, evidenciando as particularidades de cada uma delas e nos permitindo um mergulho mais profundo nesse universo sensorial e onírico que Djavan molda.
“Samurai (part. Stevie Wonder)”
Djavan começa, definitivamente, com o pé direito em Samurai. Vejo como impossível iniciar uma análise sem elogiar a execução de Stevie Wonder na gaita harmônica e no teclado, construindo todo o charme e diferencial da canção.
A presença de instrumentos de sopro, tendo o saxofone como destaque, forja um caráter romântico. De forma complementar, as linhas de baixo são suaves e envolventes, casando perfeitamente com o ritmo imposto pelo teclado.
Preciso destacar a genialidade presente na analogia que compara o amor a um poderoso “Samurai”. Ele o caracteriza, através de metáforas, como condutor, dominante e irresistível. Discorre sobre a deliciosa submissão ao amor, ao bem-querer. Com “Samurai”, Djavan nos faz querer ser serviçais desse amor tão poderoso e atrativo.
“Eu quis lutar
Contra o poder do amor
Caí nos pés do vencedor
Para ser o serviçal
Do samurai
Mas eu tô tão feliz
Dizem que o amor atrai”
“Luz”
Ao ouvir “Luz” pela primeira vez, fiquei surpresa com a genialidade presente na composição melódica. O solo suave da flauta e o suporte do saxofone soprano transformam a música em uma experiência mais intimista — o que não significa que seja melancólica. Muito pelo contrário. A pronúncia rápida da letra em crescente, mesclada com a presença de acordes com sétima, proporciona um passeio pela mente: uma exploração melódica perfeita!
O significado consegue ser tão positivo quanto a melodia: Djavan reflete sobre encontrar felicidade no mais ordinário de si, colorir o preto e branco da solidão, viver da própria luz!
“Um trem entrou
No meu eu
E divagou feliz
E na dor
Eu passo um giz
Arco-írisando a solidão
Na lição
Que o sol me traduz
Viver da própria luz”
“Nobreza”
Sinceramente, me faltam palavras para descrever a beleza de “Nobreza”. Com todas as letras, é uma declaração de amor perfeita — desde a melodia até a letra.
A junção entre a melancolia do piano, a tensão forjada por violinos e o vocal apaixonado de Djavan nos deixa imersos numa nuvem densa da paixão, logo em seguida colidindo com uma brisa amorosa.
É a descrição perfeita da transição entre a paixão e o amor — do perceber-se amando. O querer desfrutar ao máximo de um amor belo e cuidadoso que surgiu de uma amizade igualmente bela. “Nobreza” é, de fato, a declaração de amor mais nobre e poderosa possível.
“O amor se desnudando
No meio de tanta gente
Um doce descascado pra mim
Eu guardo pro fim pra comer demorado”
“Capim”
Após a execução melancólica de “Nobreza”, Djavan levanta o astral com “Capim”.
A presença mais marcada do baixo e dos instrumentos de sopro, juntamente da execução do violão, forja um samba gostosíssimo.
A letra evidencia a vasta riqueza da flora, mas não se limita a isso: explora também referências folclóricas e a religiões afro-brasileiras. Possui ainda um caráter político, além de trazer uma frustração com o amor cultivado.
“Cacique perdeu, mas lutou que eu vi
Jari não é Deus, mas acham que sim
Que fim levou o amor
Plantei um pé de fulô, deu capim”
“Sina”
“Sina” chega como uma grande presença na sala, com uma percussão de início simples e envolvente, que dá início à melodia com o teclado.
Um culto perfeito ao amor em todas as suas formas. Trata o amor como parte da natureza, componente essencial da existência, dono de uma beleza particular e pura. Gostaria de tecer comentários mais profundos acerca do adjetivo que gerou essa música como gênese principal (Caetanear), mas o significado chega a ser extremamente óbvio.
“Virá lapidar o sonho
Até gerar o som
Como querer Caetanear
O que há de bom”
Pétala
Falar de “Pétala” é descrever a música mais bela e profunda de todo o álbum.
A composição melódica transcende o conceito de mágico e genial. A percussão alcança a proeza de permanecer suave e firme ao mesmo tempo; as linhas de baixo dão origem a um suporte melódico perfeito e apaixonado. A suavidade do piano dedilha, simultaneamente, as teclas e a alma de quem ouve. Vejo o saxofone como peça fundamental para selar de vez o caráter romântico da música.
O vocal de Djavan, alongando as notas A (Lá maior) e E/A (Mi maior com baixo em Lá) no refrão, variando com seus arranjos, transforma a música em uma experiência sensorial profunda.
A letra revela, da forma mais encantadora possível, o poder do amor — sua capacidade avassaladora de invadir e se consolidar no peito. E, quando não suficiente, transborda em si.
“Por ser exato
O amor não cabe em si
Por ser encantado
O amor revela-se
Por ser amor
Invade, e fim”
“Banho de Rio”
Confesso que, no início, não pus muita fé em “Banho de Rio” — foram necessárias algumas reproduções.
A forma como os instrumentos de corda interagem entre si é mágica, sobrenatural. Forja uma melodia quase celestial.
A letra discorre sobre a ausência de quem se ama, a necessidade de tê-la por perto. Ao mesmo tempo, carrega um erotismo sutil, fruto de uma paixão visceral. Traz a reconexão com o natural e a purificação do ser.
“Sem meu amor
Não tomo banho de rio
Nem sou feliz tão cedo”
“Açaí”
Por mais que sejam muitos os elogios, não considero “Açaí” a música mais impressionante do álbum — o que não a impede de ser incrível. Afinal, Djavan forjou padrões elevadíssimos.
Uma das letras mais enigmáticas do cantor, mistura elementos naturais comuns da região Norte, desejo, amor e natureza. Um dos maiores traços de genialidade reside no uso da sinestesia ao citar o “zum de besouro”, estendendo ainda mais a experiência.
“Açaí
Guardiã
Zum de besouro
Um ímã
Branca é a tez da manhã”
“Esfinge”
Possui uma melodia muito próxima ao soul, extremamente envolvente e sensual, com linhas de baixo não tão discretas quanto as demais do álbum, e uma percussão que sustenta toda a cadência.
A referência à Esfinge grega traz a metáfora de um amor enigmático, indecifrável — um “coração de esfinge”. Mais uma vez, há um teor sensual muito bem colocado, tanto na composição melódica quanto na letra.
“E fazer do meu canto
Um brado tão fundo
Que só
Um grande amor atinge
Pra amolecer o mundo
E seu coração
De esfinge”
“Minha Irmã”
Para fechar o álbum com chave de ouro, Djavan traz um samba dançante e envolvente em “Minha Irmã”.
Uma música curta e significativa, que mescla o laço familiar com a conexão natural que Djavan explorou ao longo do álbum. Um encerramento perfeito para um álbum igualmente perfeito. “Minha Irmã” é, definitivamente, a famosa “chave de ouro”.
“Mãe disse que eu botasse olho em você
Então, passa pra dentro, menino, vai chover”
Gente, do céu! Se nunca tivesse ouvido Djavan eu iria correndo agora ouvir essas músicas. Essa crítica captou toda essência do álbum